quinta-feira, 6 de agosto de 2009

Quem não paga, não sabe quanto custa.

Da Reporter Brasil.
Numa época de discursos sobre a responsabilidade social empresarial, usineiros não apresentam publicamente justificativas concretas para a recusa em fornecer alimentação aos cortadores de cana. Com base na alegação de representantes do setor sucroalcooleiro de que o sistema para saciar a fome dos trabalhadores seria "muito caro e complexo", o item foi barrado no "Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar", lançado pelo governo federal em junho.
O presidente da União da Indústria de Cana-de-Açúcar (Unica), Marcos Jank, tentou explicar o veto à proposta. "O sistema de alimentação é muito caro e tem uma logística complicadíssima", disse à Repórter Brasil. O empresário negou que a recusa seja decorrente de um possível temor dos usineiros em relação à fiscalização da Vigilância Sanitária nas frentes de trabalho nos extensos canaviais.
Já o seminário da ONG Açúcar Ético tinha o objetivo de discutir "direitos sociais, ambientais e manejo responsável no setor sucroalcooleiro". Pelo lado das empresas, uma das palestrantes era Maria Luiza Barbosa, que responde desde 2001 pela atuação da Unica nas áreas social, ambiental e de sustentabilidade. No encontro, ela afirmou não ter conhecimento a respeito de nenhum estudo ou estimativa sobre o eventual impacto econômico que poderia ser causado pela garantia de alimentação. Sem conseguir detalhar os motivos da recusa, ela limitou-se a dizer que "a intenção da Unica é de que as condições (no corte da cana) sejam melhores".
Nos bastidores, porém, os usineiros enumeram uma série de empecilhos para tentar justificar o fato de não arcarem com o custo da comida. Os empresários citam a "logística da alimentação", que envolve a distância entre as várias frentes de trabalho, o custo do transporte (dos funcionários mobilizados e da manutenção dos equipamentos), além do preço médio da marmita (em torno de R$ 5). Há empresas que optam ainda pelo fornecimento de cestas básicas no lugar das refeições. Algumas usinas também distribuem um componente à base de glicose aos trabalhadores, numa controversa tentativa de amenizar a intensa fadiga a qual estão submetidos e, é claro, garantir a sua produtividade.

Alimentação.
No item referente à alimentação nas lavouras - ao todo são 18 pontos -, o "Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana-de-Açúcar" estabelece apenas duas recomendações às usinas. São elas: "fornecer gratuitamente recipiente térmico - marmita - que garanta condições de higiene e manutenção de temperatura" e "assegurar, nas frentes de trabalho, mesas e bancos para a realização de refeições". A garantia de alimentação gratuita é uma reivindicação histórica dos trabalhadores rurais.
Elio Neves, presidente da Feraesp, critica a ausência de comida aos boias-frias. "Como conceber um setor produtivo que se diz capaz de abastecer os tanques dos automóveis do mundo inteiro e não abastece os estômagos dos empregados?", questiona. Ele reforça que, para ganhar o planeta, o etanol brasileiro precisa ter responsabilidade social. "A legislação trabalhista ainda não chegou ao campo", lamenta. Existem ao todo cerca de 500 mil trabalhadores no corte de cana-de-açúcar no país.

Escravidão.
Nos últimos anos, o setor sucroalcooleiro vem despontando no ranking de libertações de trabalhadores escravizados no país. Segundo dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT), 2.553 trabalhadores deixaram a condição análoga à escravidão nas lavouras de cana-de-açúcar em 2008. O índice representa 49% do total de 5.244 trabalhadores encontrados nessas condições no ano passado, acima dos 1.026 (20%) libertados na atividade pecuária. Além da escravidão contemporânea, as infrações encontradas pelos auditores do trabalho no setor sucroalcooleiro dizem respeito a problemas como a falta de instalações sanitárias adequadas e água potável, jornada excessiva, ausência de Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) e outros tipos de irregularidades na gestão de saúde e segurança.